ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA QUINTA DA CARREIRA

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sábado, 7 de junho de 2008

UMA HISTÓRIA - ROMANOS NA QUINTA DA CARREIRA?


Como todas as coisas bonitas que nos acontecem, muitas estão envoltas num manto diáfano...quer de realidade, quer de fantasia...


Do querido amigo José Pinto Casquilho, recebemos esta linda descrição que o Blog publica para deleite de todos os seus leitores e habitantes da Quinta da Carreira, pois as


histórias que quase parecem de encantar têm, quase sempre, muito de real e a nossa Quinta da Carreira pode ser um dos pontos da linha de Cascais que tem um passado rico que, aos poucos e sorrateiramente, começa a emergir das entranhas da terra, qual pepita de ouro de uma história ainda por contar...




O Blog aí vos deixa um relato, na primeira pessoa, para quem tiver olhos para ver, ouvidos para escutar e curiosidade para acompanhar o desenrolar da trama que, seja qual for o final (que esperamos possa ser feliz) dará aso a que talvez alguns dos habitantes desta zona possam tentar relembrar, nas memórias de infância o que viram por aqui e contar à Associação de Moradores da Quinta da Carreira para que a reconstituição do nosso passado remoto, possa ser feita com mais facilidade e autenticidade. As memórias de cada um de vós são preciosas para "colar" os cacos de que se faz a nossa história pessoal e colectiva.




Esta partilha do nosso querido amigo José Pinto Casquilho é uma achega muito grande - ponto de partida do reencontro do passado com o futuro. Aí vai ela...
-------O MISTÉRIO DOS ROMANOS------


-------NA QUINTA DA CARREIRA---------



---------------------Parte 1-----------------------


Esta novela que agora vos conto foi uma surpresa para mim. É uma história que quero partilhar com os interessados no futuro da Quinta da Carreira.
Um dia, há cerca de um ano, um morador afirmou-nos que o aparelho de pedra da ribeira era romano, ou de fundação romana, e a carreira também. Confesso que até então eu só vira as infraestruturas rurais da antiga Quinta da Carreira pensando que teriam um século ou dois – eram as notícias que eu tinha sobre a idade da quinta.
Comuniquei o assunto, interrogando a CMC sobre o que era conhecido no âmbito arqueológico aqui no sítio, e a resposta, emitida por uma técnica da câmara, foi que essa afirmação – de que os aparelhos da ribeira e da carreira seriam de fundação romana - era dificilmente sustentável, e acrescentava não serem conhecidos vestígios romanos encontrados nas imediações.
Ora, fazendo uma investigação documental, descobre-se que mesmo aqui ao lado, perto das Grutas da Alapraia, há registos de 4 pedras com escrita romana gravada – epígrafes, datadas da época de Trajano, que foram estudadas por vários autores de que se destaca a compilação feita por José D’Encarnação. Foram encontradas em três casais ou quinta aqui da vizinhança da Estrada da Alapraia e Areias.
Na Carta Arqueológica de Cascais, de Guilherme Cardoso, vem dito: «Mas o mais curioso é o aproveitamento como silo, da Gruta III de Alapraia, pelos habitantes da villa da Quinta da Bela Vista.» . Ou seja, tal como aparece marcado na referida carta, datada de 1991, existia mesmo aqui ao lado da parte Norte da Quinta da Carreira, uma villa - casa rural romana com todas as suas dependências - e também uma necrópole.
Portanto não é de estranhar que sendo carreira um nome latino (que quer dizer via para passar carro), e existindo entre nós um troço de uma larga via aparelhada - que chamamos o caminho das oliveiras - pudéssemos ter um conjunto assinalável de infraestruturas romanas. A nossa carreira tem perfil semelhante ao de outras classificadas (v. links), também é ladeada por oliveiras, aliás o símbolo romano da paz e mais geralmente o signo do Mediterrâneo, como afirmava o geógrafo Orlando Ribeiro. O aparelho do poço, ao lado da carreira, é uma estrutura notável na perfeição do corte, e bem pode ser de origem romana, replicado ao longo do tempo, conforme se mostra nas cores diferentes das pedras que o formam.
------------------------------ foto 1- aparelho do poço-------------------------------------------
Pedro Barruncho, em 1873, refere que Marques Leal comprou o grande casal e quinta da Carreira ao desembargador Alexandre Loureiro. Diz-se nesse livro que Marques Leal - que viria a ser designado Marques Leal Pancada, ao que me disseram pela pancada que teria para os negócios - mandou fazer por aqui um grande tanque com 19 por 33 metros, e ainda construiu duas estradas arborizadas, e recuperou o poço que estava muito estragado. Também se diz que ele fez uma quinta muito produtiva em vinho e cereais de um sítio que era basicamente uma pedreira. Na praceta Gil Vicente ainda hoje se vê esse aspecto - bem lá no meio tem os furos de extracção de pedra à vista.
Em Cascais existe uma R. Marques Leal Pancada, precisamente a rua onde estão os tanques de salga de peixe, classificados como romanos. É muito provável que o referido senhor tivesse recuperado infraestruturas romanas na Quinta da Carreira e que as estradas que construiu fossem feitas sobre vias antigas. Afinal, aqui ao lado, no Casal Santa Teresinha, na Estrada da Alapraia, foi descoberta uma cupa romana escrita em latim, incrustrada no cunhal de um tanque particular. O que nos reservará o nosso tanque, podemos perguntar... E já agora, ao lado da ponte, na Estrada da Alapraia, vê-se restos de outra via lajeada de pedra, paralela è estrada.
Felizmente que a construção na zona do tanque e do dragoeiro foi impedida na hora (o tanque seria totalmente destruído) e o alvará, do tempo da partida do Judas, já caducou. Mas o Plano de Pormenor que está para vir à discussão pública comporta construção, e quem sabe o que poderá aparecer durante as obras. A CMC comprometeu-se a elaborar um guia de normas e procedimentos a que o promotor tem que obedecer no caso de se encontrar vestígios.
No entanto, a câmara e os arqueólogos contactados estão renitentes em admitir que a origem das infraestruturas rurais da quinta seja romana. Dizem que não existe nenhuma prova irrefutável nesse sentido, o que só seria adquirido encontrando-se moedas, mosaicos, lápides epigrafada ou assim.

A pedra decorada – pedra de alfiz – que encontrei na ribeira e leguei à associação, não mereceu atenção.
Se querem saber a minha opinião eu só confio na sociedade civil, porque os peritos tanto podem falar como calar-se, e dizer que não viram nada, depende lá dos negócios e da honestidade deles. É verdade que a carreira, o poço, o aparelho da ribeira (e o tanque) ficaram preservados no esboço de Plano de Pormenor que negociámos com a CMC, que contempla a figura proposta pela AMQC de Ecoparque (v. foto anexa), mas nem sempre se pensou assim. Será preciso recordar que a nossa ribeira se chama de Bicesse e que bicessis era uma moeda romana que valia vinte asses?
----------------------------------------------Ecoparque 2----------------------------------------- Via Circular Nascente a S. João está planeada para começar em obra breve, no início de 2009, e não sabemos se vai intersectar algum elemento arqueológico importante. A grande rotunda projectada ali ao lado do Forte de Santo António da Barra (aquele a que também chamam o forte Salazar) poderá vir a destruir estruturas importantes. O forte foi construído em 1590 e estava pronto a receber armas e homens em 1591, assim dizia o arquitecto da obra, o padre e arquitecto Casale em carta de 16 de Fevereiro desse ano. É provavelmente desses anos que data a construção da 2ª fase da ponte de S. Pedro do Estoril, que encaixa no conceito de ponte romano-filipina. A ponte de Cascais, destruída há décadas, que ainda se pode ver nos postais antigos, era romana. Havia assim uma via romana que se desenvolvia ao longo da costa, presumivelmente coincidente em larga medida com a Estrada Real onde a nossa carreira ia entroncar. Ora, quando interroguei o serviço de arqueologia da CMC sobre o assunto foi-me respondido que não tinham nenhum esboço das vias romanas no concelho, e que nunca tinha sido feito, como se fora a coisa mais natural.
----------------------------- foto 3 – ponte de S. Pedro-------------------------

É lamentável e preocupante, não só o facto como o sintoma. Os interesses imobiliários continuam a dominar a expectativa da paisagem do litoral. A ponte de S. Pedro ainda nem está classificada como monumento, embora me tenham dito que estava em curso o processo.
Vejam o mapa da foto acima: é o mapa dos vestígios romanos na região e no concelho de Cascais, do catálogo de uma exposição realizada em 2005. É como se tivessem apagado com uma borracha os vestígios romanos do litoral - um absurdo, excepto no sentido de que a paisagem expressa também a mão voraz do homem sobre a sua própria raiz e memória.
[foto 4- mapa dos vestígios romanos do concelho de Cascais, 2005]
Felizmente hoje temos a força adicional de que a sociedade civil pode intervir a partir da blogosfera. E não tem que ter líderes, qualquer um pode pegar na história e levá-la mais longe. Fica pois o convite feito para a participação: indícios, testemunhos, estórias, podem contribuir para esclarecer este mistério sobre a génese romana do património rural da Quinta da Carreira.


José Pinto Casquilho


Referências:
Apontamentos para a História da Villa e Concelho de Cascaes, P. Borges Barruncho, Typographia Universal, 1873
Necrópole da Alapraia, Afonso do Paço, Academia Portuguesa de História, Anais (II s.) vol. 6, Lisboa, 1955
As Fortalezas da Costa Marítima de Cascais, M. A. Pereira Lourenço, Ed. CMC, 1964
Toponímia do Concelho de Cascais, J. Diogo Correia, Ed. CMC, 1964
Inscrições Romanas de Cascais, José Encarnação, BMB, 1971
Cascais no Tempo dos Romanos, Guilherme Cardoso e José D’Encarnação, CMC/IPPC, 1986
Carta Arqueológica do Concelho de Cascais, Guilherme Cardoso, CMC, 1991
Roteiro Epigráfico Romano de Cascais, José D’Encarnação, 2º ed., CMC, 2001
Links:
http://www.viaeromanae.org/index.php3?langue=pt
http://viasromanas.blog.pt/
http://www.360portugal.com/Distritos.QTVR/Beja.VR/ruinas/S_Cucufate/
http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Galeria.aspx?content_id=95992&pos=10
http://www.triplov.org/casquilho/2008/Eixo-sagrado/index.html

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